Pandemia abala saúde mental dos policiais penais

Carlos Vítolo

Especial para Revista Preven / disponibilizado para o SINDCOP

Acostumados com a invisibilidade pelo tratamento dos governos e quase nenhum reconhecimento da sociedade, os policiais penais, que normalmente já encaram uma dura rotina de trabalho nas unidades prisionais, vivem momentos difíceis neste período de pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Em condições normais, a atividade dos policiais penais é por si só, considerada altamente estressante em virtude das situações traumáticas a que estão sujeitos nas unidades prisionais, o que aumenta o risco de ter afetada sua saúde mental.

Em tempos de pandemia, uma pesquisa feita pelo Núcleo de Estudos da Burocracia, da Fundação Getúlio Vargas (NEB/FGV) com policiais penais de todo o país concluiu que 74% desses servidores disseram ter a saúde mental afetada neste período.

Os dados foram coletados em entrevista online no ano passado.

Nos fundões das unidades prisionais, a chegada da pandemia trouxe pânico entre os policiais penais, que a partir de então passaram a conviver também com o medo de serem contaminados, além do estresse natural enfrentado diariamente nos presídios.

Uma pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) apontou que os casos de depressão dobraram durante esse período de quarentena; além disso, as ocorrências de ansiedade e estresse registraram aumento de 80%.

De acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a saúde mental é a segunda causa de afastamento laboral, além de provocar grande estigma pessoal de incapacidade.

No sistema prisional são muitos os policiais penais que têm a saúde mental afetada e necessitam do afastamento de suas atividades.

Hoje, todo policial penal pode testemunhar sobre algum colega de trabalho que foi diagnosticado com Covid-19 e boa parte dos servidores conheceu um companheiro que não resistiu à doença e se tornou vítima fatal.

A perda de companheiros de trabalho levou diversos servidores à tensão e ao desgaste emocional, o que afetou a saúde mental, comprometendo inclusive o exercício de suas atividades nas unidades prisionais e a qualidade de vida.

Um servidor que prefere não se identificar, por questões de segurança e preservação da identidade, relata à reportagem que diariamente pensa na rotina ao se despedir da família sem saber se voltará para casa após o expediente.

Aliás, isso já é realidade para 105 servidores do sistema prisional de São Paulo, que perderam a vida durante a pandemia, segundo a contagem de óbitos feita pelo Sindcop (Sindicato dos Policiais Penais e Trabalhadores do Sistema Penitenciário Paulista).

São policiais penais que sobreviveram ao caos diário do sistema prisional, mas que foram “assassinados” covardemente por um inimigo invisível: o novo coronavírus.

Servidores que morreram sem realizar o sonho da aposentadoria para uma vida longe dos riscos e das tensões experimentadas durante toda a vida profissional. A maioria nem chegou a sonhar com a imunização da categoria, que teve início somente em 5 de abril.

Companheiros que ficaram relatam que a demora  ao início da vacinação dos profissionais da segurança pública gerava grande aflição e abalava ainda mais a saúde emocional de muitos dos que perderam a vida para a Covid-19.

“Além das vidas dos companheiros e dos sonhos interrompidos, ficam as lágrimas dos filhos que choram as perdas de seus pais. São famílias despedaçadas e marcadas pela dor da separação”, lamentou o servidor que prefere não se identificar.

O presidente do Sindcop, Gilson Pimentel Barreto, disse que os números podem ser ainda maiores e que muitos ainda não foram contabilizados em virtude da demora dos resultados e outros, porque os exames foram feitos de forma particular e não na rede credenciada.

Ele aponta que essa questão da saúde mental dos servidores já é uma luta de longa data. Barreto relata que, em 2007, o então deputado estadual, Hamilton Pereira (PT) foi autor da Lei 12.622/2007, que instituiu o Programa de Saúde Mental dos Agentes de Segurança Penitenciária.

Segundo a lei, o objetivo do programa é o bem-estar biopsicossocial desses servidores, mediante ações preventivas, visando a manutenção de sua saúde mental, além da assistência integral aos acometidos de transtorno mental.

Barreto relata que foi criado um grupo de trabalho na Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) para se discutir a regulamentação da lei, “mas infelizmente o grupo encerrou os trabalhos sem que tivéssemos conseguido a regulamentação”.

Ele destaca que o Executivo nunca teve muita vontade e a lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa contra a vontade do governador. “A falta de vontade do governo de São Paulo ao longo de quase três década é de total desprezo para com o sistema penitenciário. Temos a lei, mas não o decreto que a regulamenta”, disse.

Diante da falta de amparo governamental, o sindicato buscou por si mesmo um meio de oferecer orientação e atendimento psicológico como forma de diminuir o sofrimento dos servidores e seus familiares.

Segundo o presidente, em tempos normais, fora da pandemia, muitos servidores são acometidos pelo uso de drogas e álcool em virtude do estresse do trabalho.

Nesses tempos de pandemia, mesmo com o distanciamento social e o sindicato fechado, nós permanecemos em alerta e nossas psicólogas têm feito o atendimento virtual para amenizar essa fase difícil, pois além da doença há o medo, incertezas, dificuldades financeiras, falta de funcionários nas unidades e problemas familiares.

Em busca de socorrer os servidores acometidos nesses casos específicos de uso de drogas e álcool, o diretor de Esportes do Sindcop, Carlos Augusto Martins Francisco tem trabalhado em um projeto para a criação de uma clínica de tratamento terapêutico que possa acolher esses funcionários.

O diretor conta que sua motivação foi o desejo de preparar um lugar para dar atendimento a esses servidores que, muitas vezes, acabam passando por internação em clínicas comuns, junto a pessoas que estiveram presas.

Para evitar esse contato resolveu criar o projeto; no entanto, em virtude da pandemia, foi necessário pausar.  A atividade dos policiais penais é um tipo de trabalho que não existe em home office.

Eles não pararam durante toda a pandemia, o que os coloca ainda mais em risco de serem contaminados. Ainda mais que, segundo a pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, citada no início da reportagem, somente 12% dos entrevistados disse ter recebido treinamento de enfrentamento ao novo coronavírus.

Segundo uma das coordenadoras da pesquisa, Gabriela Lotta, a pandemia muda radicalmente o trabalho de quem está dentro do presídio.

“Ele precisa se afastar, precisa trabalhar com novas metodologias para fazer escolta, revista ou qualquer tipo de interação com o preso. Se ele não tem treinamento isso significa que ele está sendo exposto a experimentações, a procedimentos que não são baseados em evidências e que podem aumentar a contaminação”.