Debate sobre privatização reuniu sindicalistas norte-americanos e líderes sindicais brasileiros
Inês Ferreira
O Seminário Internacional Estados Unidos e Brasil – Garantia de Direitos e Sistema Prisional Público: É possível manter?, realizado no último dia 12 de novembro, demonstrou que a privatização do sistema prisional não é prejudicial só para os servidores públicos, mas para toda a sociedade. Durante o evento, sindicalistas norte-americanos deixaram claro que a privatização de presídios esconde diversos interesses do governo que nada tem a ver com a economia de gastos ou a melhoria da segurança pública.
Cerca de 50 pessoas participaram da primeira parte do seminário que consistiu na exposição do funcionamento do sistema prisional norte-americano. O evento foi realizado no Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo. A mesa de trabalho inicial foi composta por José Roberto Neves (diretor do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná – SINDARSPEN), Wayne Spence (vice-presidente da AFT e presidente da Federação de Funcionários Públicos de New York) e Fernanda Lou Sans Magano (presidente do SINPSI).
POLÍCIA PENAL
A exposição do tema “Política Pública sobre prisão, atores envolvidos e a ameaça privatista” teve início com a fala de Neves, que discorreu sobre o majoritário da categoria, salientando que historicamente os servidores prisionais sempre foram mais voltados para a defesa dos direitos corporativos profissão e menos para luta geral dos trabalhadores.
Segundo ele, isso pode ter sido o motivo que os levou para um isolamento na luta classista em relação à outras categorias profissionais e à dificuldade pra enfrentar os problemas globais de ataques aos diretos dos servidores públicos em geral, que ameaçam a própria existência das categorias, como a onda privatista que ronda o sistema penitenciário.
Neve disse ainda que se faz necessário fazer as lutas específicas de cada categoria, mas também há a necessidade de se entenderem como classe trabalhadora que precisa se mobilizar ajuntamentos com outros trabalhadores para o enfrentamento de questões que afetam a todos.
Outro ponto abordado foi a valorização do trabalhador penitenciário como membro indissociável dos serviços da execução penal, tendo em mente o objeto do seu trabalho que é fazer serem cumpridas as sentenças judiciais das pessoas condenadas, garantindo-lhes o que é de direito e fiscalizando o cumprimento da penal.
“A nova Polícia Penal precisa ser vista, sobretudo como a Polícia da Execução Penal, especificamente, tratando sua função não como um mero aparelho repressor do estado, mas como servidores públicos da execução penal capaz de cumprirem com a estratégia voltada à segurança pública e também ao esforço de reconduzir as pessoas presas a um melhor convívio social ao vencer sua sentença. Muitas vezes o mesmo descaso do estado com as politicas para o sistema penal que afeta o preso, como a superlotação e falta de assistência, também afeta o trabalhador penitenciário, que trabalha no mesmo ambiente em que habita a massa carcerária”, lembrou o sindicalista.
Segundo ele, por esses motivos, os policiais penais precisam se ver com classe trabalhadora, sujeita de direitos, e como profissionais especialistas na segurança penitenciária e execução penal, cabendo a eles criar as condições de harmônica no ambiente de execução penal para que as politicas voltadas a esse setor sejam efetivas, tanto no campo da garantia da execução da sentença, como da garantia de direitos da massa carcerária.
De acordo com Neves a nova Policia Penal, para ser melhor valorizada enquanto instituição, precisa ter claro seu papel na segurança pública e superar a tese extraoficial, de que o conceito de segurança pública prisional e garantia de direitos são antagônicos.
“Se por um lado segurança pública precisa ser vista como um meio de se preservar direitos humanos, por outro, a garantia de direitos precisa ser vista como uma estratégia para fortalecer a segurança e a presença dos estados nos ambientes mais vulneráveis, como o cárcere. Com essa compreensão inserida nos fundamentos da Polícia Penal, seus operadores serão mais valorizados como profissionais da segurança pública, especialistas da execução penal”, disse ele.
DIREITOS DE TODOS
A presidente do SINPSI, Fernanda Magano, deu continuidade ao debate concordando com as colocações de Neves e ressaltando que é preciso descontruir esse antagonismo : “ – direito é direito de todos”, afirmou..
Segundo ela, enquanto isso não for compreendido não haverá uma boa relação sobre a questão.
“Quando se descontrói essa questão estamos caminhando para a barbárie”, disse ela.
AMÉRICA DO NORTE
Wayne Spece, sindicalista norte-americano, iniciou sua participação elogiando o trabalho realizado no CDP (Centro de Detenção Provisória de Pinheiros) e a Penitenciária Feminina da Capital, unidades prisionais visitadas por ele e sua equipe, esta semana, em São Paulo.
“ O que vimos foi melhor do que esperávamos”, disse ele, que considerou o trabalho dos servidores dessas unidades “humanizados”, em comparação com o de unidades americanas, principalmente as privatizadas.
Spence apresentou dados sobre o sistema carcerário dos EUA apontam que, apesar do país ser considerado o mais democrático mundo é o que mais prende. No ranking mundial de encarceramento os EUA ocupa o primeiro lugar com 2,1 milhões de presos, a China em segundo lugar, com 1,6 milhões e o Brasil em terceiro com mais de 700 mil presos. Assim como no Brasil, a maior parte dos encarcerados norte-americanos são negros e pobres.
Conforme ele, nos EUA a privatização teve início há mais de 30 anos, sendo que cerca de 8% dos presos estão em presídios privados espalhados pelo país. No entanto, o estado de New York, ao qual Space pertence, proibiu a privatização de presídios. Decisão, segundo ele, tomada por Republicanos e Democratas.
“Proibiram porque entenderam os perigos que as privatizações significam”, disse ele.
INTERESSES POLÍTICOS
O primeiro dado negativo sobre a privatização apontada por Spence foi à falta de informação.
“Dizem que é mais barato, porém não existem dados que comprovem isso. As empresas não repassam informações sobre o sistema”, disse ele.
Em seguida o sindicalista discorreu sobre outras questões negativas denunciando que as prisões privadas, nos EUA, não se interessam em reabilitar presos, ao contrário fazem lobby para aumentar o encarceramento, o que consequentemente aumenta os lucros dessas empresas.
Esse aumento significativo do encarceramento, de acordo com o sindicalista, ficou ainda mais evidente no governo de Donald Trump, quando este endureceu a política contra imigrantes.
De acordo com ele, isso também evidenciou a participação de empresas privadas que gerenciam prisões no custeio de campanhas políticas.
“ A festa de posse de Trump foi paga por essas empresas”, denunciou.
Ele também afirmou que ficou comprovado que os encarcerados no sistema privado saem da prisão mais perigosos, o que gera mais custo para a segurança pública.
Outro dado apontado por ele, é que no sistema privado os agentes não tem o mesmo treinamento dos servidores públicos, trabalham em números menores, e os salários dos privados representam apenas a metade dos salários recebidos pelos servidores do sistema público.
As empresas privadas, segundo ele, são tão lucrativas que estão na Bolsa de Valores americanas para captar investidores e já e se tornaram uma das maiores empregadoras dos EUA, se equiparando a empresas como o Walmart.
ORGANIZAÇÃO DO EVENTO
O evento foi promovido pelo SINDCOP em parceria com o Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo (SINPSI), Internacional de Serviços Públicos (ISP) e a AFT (American Federation of Techers).
Também estavam presentes: o deputado estadual do Ceará, Soldado Noélio (Pros), que é também presidente da Comissão de Segurança Pública do Estado do Ceará e o deputado federal Capitão Wagner (Pros), integrante da Frente Parlamentar de Desenvolvimento Estratégico do Sistema Penitenciário doo Brasil.
O objetivo do evento foi apresentado por: Jocélio Drummond e Denise Motta Dau, respectivamente secretário e subsecretária regional da ISP Brasil, Steve Porter secretário sub regional dos Estados Unidos da América e Canadá da ISP Dos EUA e do Canadá, Gilson Pimentel Barreto, presidente do SINDCOP, Fernanda Magano, presidente do SINPSI e Chris Runge, diretora da AFT.