Bolsonaro defende privatizações de empresas públicas e Doria insiste em levar presídios para a iniciativa privada

Contrariando o SINDCOP e os policiais penais, desde o ano passado, o governador João Doria tem insistido na intenção de privatizar as unidades prisionais. Segundo Bolsonaro, privatizar uma empresa não é colocá-la numa prateleira e a entregar a quem der mais. Nesta quinta-feira (13), o sindicato realiza uma live para discutir as ações contra a privatização dos presídios.

Carlos Vítolo

Em postagem em uma rede social, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) defendeu nesta quarta-feira (12) a privatização de empresas públicas. Na publicação, Bolsonaro disse que “o Estado está inchado e deve se desfazer de suas empresas deficitárias, bem como daquelas que podem ser melhor administradas pela iniciativa privada”.

A postagem do presidente destacou ainda que “os desafios burocráticos do estado brasileiro são enormes”. Segundo Bolsonaro, “num orçamento cada vez mais curto”, é normal os ministros buscarem recursos em outras fontes para obras essenciais. A declaração foi postada junto com uma foto de Bolsonaro com os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Infraestrutura, Tarcísio Freitas.

De acordo com Bolsonaro, privatizar uma empresa não é colocá-la numa prateleira e entregar a quem der mais. “Está longe de ser, simplesmente, pegar uma estatal e colocá-la numa prateleira para aquele que der mais ‘levá-la para casa’”. Destacou ainda que, “para agravar o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, em 2019, que as privatizações das empresas ‘mães’ devem passar pelo crivo do Congresso”, escreveu o presidente.

As declarações do presidente nesta quarta-feira (12) ocorreram após a debandada, ocorrida ontem, no Ministério da Economia, quando os secretários especiais Salim Mattar (Desestatização e Privatização) e Paulo Uebel (Desburocratização, Gestão e Governo Digital) deixaram pasta. A saída dos secretários foi anunciada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. O motivo seria a insatisfação de Mattar com o ritmo das privatizações de estatais. Para Uebel, a motivação seria a falta de andamento da reforma administrativa.

»Em SP, no ano passado, Doria anunciou que vai privatizar os presídios

Durante coletiva de imprensa, em janeiro do ano passado, o governador João Doria (PSDB), anunciou que a expansão do sistema prisional paulista será gerida pela iniciativa privada.

Na época, Doria afirmou que iria privatizar os novos presídios construídos no Estado com o modelo de Parcerias Público-Privadas (PPPs). No anúncio, o governador destacou que quatro, das 12 novas penitenciárias em fase de obras, será concedida à iniciativa privada.

Segundo informações do governo, na época, inicialmente, sete presídios deverão funcionar sob PPPs, dos quais, quatro que já estavam em construção e mais três novos complexos que serão construídos nos próximos quatro anos, com capacidade para abrigar mais 12 mil detentos.

O Departamento Jurídico do SINDCOP propôs na Justiça uma ação ordinária com pedido de tutela antecipada, para a anulação do edital de concorrência pública, que prevê a contratação de empresas privadas para atuarem em quatro unidades do sistema prisional do Estado.

O modelo de concessão dos presídios vem sendo definido pelo governo, mas de acordo com Doria, as PPPs têm como referências um presídio de Minas Gerais, em Ribeirão das Neves, bem como o sistema norte-americano.

Em novembro do ano passado, o SINDCOP realizou um seminário internacional entre Estados Unidos e Brasil. No evento, sindicalistas norte-americanos afirmaram que a privatização de presídios esconde interesses do governo que nada têm a ver com a economia de gastos ou a melhoria da segurança pública. O encontro demonstrou que a privatização do sistema prisional é prejudicial tanto para os servidores públicos quanto para a sociedade.

Desde que o governador anunciou a privatização, em janeiro de 2019, o SINDCOP imediatamente se posicionou de forma contrária. O presidente da instituição, Gilson Pimentel Barreto, disse que os governos querem se livrar de suas responsabilidades.

“Infelizmente, o que nós vemos dos atuais governos, é um desejo, uma vontade insana, de se livrar de suas responsabilidades, de passar à iniciativa privada, tudo o que o Estado arrecada para gerir e administrar”, disse o presidente.

O sindicalista questiona e destaca que, enquanto dirigente sindical, percebe que uma das partes interessadas, no caso as entidades representativas, sempre são deixadas de fora das discussões sobre a privatização das unidades prisionais. “As entidades representativas são excluídas da discussão. As pessoas que mais entendem do sistema, porque vivem ‘in loco’, são excluídas desses debates e as mentiras se proliferam para a sociedade”, desabafa o sindicalista.

“Se o Estado não pode arcar com o custo dos presos, que faça uma política de desprisionamento. Que se aprisione melhor, que faça cumprir a pena com mais rigor e não o modelo carcerário proposto no Brasil”, declarou Barreto.

Para combater a ideia de privatizar o sistema prisional de São Paulo, por iniciativa do deputado Carlos Giannazi (PSOL), a Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) lançou no ano passado a “Frente Parlamentar Contra Privatização do Sistema Penitenciário”.

Também no ano passado, o secretário de Estado da Administração Penitenciária, Nivaldo Restivo, foi chamado na Comissão de Segurança Pública e Assuntos Penitenciários da Alesp, após requerimento proposto pelos deputados delegado Olim (PP), Luiz Fernando (PT) e Adriana Borgo (PROS).

Na audiência, a comissão cobrou esclarecimentos do secretário sobre a privatização das unidades prisionais. Os deputados questionaram sobre as PPPs, que foi apresentada pelo secretário como uma das soluções para a construção de novos presídios, criação de vagas e modernização das unidades. “É uma alternativa a ser adicionada a gestão pública”, disse o secretário.

Na oportunidade, o deputado Luiz Fernando (PT), questionou a privatização. “O governador Doria diz que a solução é a privatização dos presídios. Eu tenho certeza que a solução é fazer um trabalho preventivo e não enxugar gelo e ficar prendendo, é evitar, é formar uma geração melhor, coisa que o governo PSDB não vem fazendo ao longo dos vinte e tantos anos que governa São Paulo”, disse o parlamentar.

Já a deputada Isa Penna (PSOL) ressaltou: “os agentes penitenciários são submetidos a níveis de pressão e stress tremendo, que nenhum de nós aqui tem ideia. Muitos deles têm que ficar anos depois sendo medicados porque desenvolvem síndrome do pânico, porque desenvolvem depressão e assim isso determina a vida dessas pessoas como um todo”, disse.

A deputada questionou sobre as consequências de se entregar a administração de penitenciárias para empresas privadas que não têm a experiência dos agentes penitenciários. Ela também quis saber sobre possíveis dispensas de servidores.

De acordo com secretário, “em hipótese alguma, sob quaisquer circunstâncias, haverá dispensa de servidor por causa do compartilhamento operacional da gestão”. Restivo destacou que o “funcionário público tem estabilidade, ele será aproveitado independente do que aconteça. Já falei isso 37.425 vezes, não haverá qualquer prejuízo a nenhuma das categorias profissionais da secretaria da Administração Penitenciária por causa do plano de expansão do sistema prisional com utilização da iniciativa privada. Isso é uma garantia governamental”, disse o secretário na época.

Diante da complexidade que é o tema da privatização das unidades prisionais, apesar de ainda não existir nenhuma definição de valores a serem investidos, certamente, para que a iniciativa privada assuma a construção e administração dos presídios, esses valores deverão ser maiores, já que, as empresas visam lucro, e não será diferente com as prisões.

Melhor seria, se ao invés de privatizar as unidades prisionais, o governo fizesse uma reforma completa no sistema prisional, começando por dar condições de trabalho e salariais mais dignas aos policiais penais.

Não é a iniciativa privada que irá tornar o sistema prisional mais funcional e eficiente, uma vez que as experiências de privatização de presídios no Brasil não são nada exemplares.

No Complexo Penitenciário Público Privado (CPPP) de Minas Gerais, localizado em Ribeirão das Neves, na Grande BH, ocorreu uma fuga cinematográfica e um detento escapou em uma trouxa feita com uniformes confeccionados na unidade. O detento foi levado até o veículo usado no transporte das confecções e que pertence à empresa parceira do Estado.

Para o advogado da Justiça Global e pesquisador no programa sobre Violência Institucional e Segurança Pública da entidade, Guilherme Pontes, em entrevista ao “Brasil de Fato”, disse que a privatização de unidades penitenciárias atende apenas aos interesses das empresas que passam a gerir as unidades.

Conforme o especialista, sobre os efeitos da privatização, “o que a gente pode afirmar, de forma geral, são pelo menos três consequências diretas desse processo de privatização: a precarização dos trabalhadores, a falta de transparência em relação à população prisional e à administração penitenciária, e o aumento de gastos do Estado no repasse de verbas para as empresas administradoras”, disse.

Pontes destaca que a privatização não tem nada de positivo para o conjunto da sociedade. “É uma medida que beneficia apenas empresários interessados em lucrar com a privação de liberdade. Privatizar o sistema prisional significa buscar mais vagas. Buscar mais vagas é buscar mais presos”.

A iniciativa privada, para economizar e aumentar ainda mais o lucro, busca reduzir o quadro de funcionários, pagar um piso menor e minimizar ao máximo os benefícios dos trabalhadores das unidades.

A privatização das unidades prisionais torna o sistema prisional ainda mais ineficiente e impede que o Estado cumpra sua função constitucional, além de elevar o nível do caos que já é.

»Live do SINDCOP discute nesta quinta-feira ações contra privatização dos presídios

Nesta quinta-feira (13), a partir das 16h, o SINDCOP realiza uma live para discutir as ações contra a privatização dos presídios.

A live será transmitida pela página do SINDCOP no Facebook (facebook.com/SINDCOPBAURUSP/) e pelo canal no Youtube (youtube.com/sindcop).

Participam da transmissão o advogado do sindicato, Wesly Gimenez, o diretor Jurídico Eduardo Piotto e o diretor de Comunicação Magno Alexandre.