NAS MURALHAS DO SISTEMA – AEVPs completam 18 anos de criação

Sem muita receptividade, a primeira turma tomou posse em agosto de 2002 e encarou uma realidade desconhecida. Havia desafios e obstáculos a serem vencidos. Foi preciso conquistar a confiança de todos nas unidades prisionais. Confira os relatos de servidores da primeira turma e o AEVP que deixou a profissão e se tornou advogado dos servidores.

Carlos Vítolo

Reportagem especial de homenagem aos AEVPs

Ouça o podcast da homenagem 

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Em 2020 eles chegaram à maioridade e completam 18 anos nas torres e muralhas do sistema prisional do Estado de São Paulo. Sempre alertas em seus postos, os agentes de escolta e vigilância penitenciária (AEVPs), são os responsáveis pela segurança armada nas unidades prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP).

Criada em 13 de julho de 2001, pela publicação da Lei Complementar 898, a categoria dos AEVPs foi composta de sete níveis de vencimentos e a exigência de idoneidade e conduta ilibada na vida pública e na vida privada como requisitos para o ingresso na função.

De acordo com a lei, a categoria foi criada para o desempenho de atividades de escolta e custódia de presos, em movimentações externas e guarda das unidades prisionais, visando evitar fuga ou arrebatamento de presos.

Na época da criação dos AEVPs, o secretário da Administração Penitenciária era Nagashi Furukawa, que ocupou o cargo de 1999 a maio de 2006, quando pediu demissão do cargo, uma semana depois do fim de uma onda de rebeliões e ataques promovidos por uma organização criminosa. Geraldo Alckmin era o governador e foi quem assinou a publicação da lei no Diário Oficial de 14 de julho de 2001.

A primeira turma de agentes de escolta tomou posse em agosto de 2002 e encarou uma realidade desconhecida, com desafios e obstáculos a serem vencidos. Até então, as muralhas dos presídios eram ocupadas pelos policiais militares.

AEVP da primeira turma

fala de sua experiência

nas muralhas

Um dos servidores da primeira turma de AEVPs é Silvio Marcondes Machado, filiado do SINDCOP, que trabalha nas muralhas da Penitenciária 2 de Pirajuí, na Coordenadoria da Região Noroeste.

Machado conta que iniciou suas atividades na Penitenciária 2 de Bauru, com cerca de 40 companheiros. Ele relata que, na época, em todo o Estado, eram em torno de 4 mil agentes de escolta. “Fomos os desbravadores”, disse.

Até então, o AEVP havia trabalhado com segurança privada, e agora, servidor público, passou a atuar na segurança das unidades prisionais.

“Era uma coisa nova, agora tínhamos que impedir fugas, impedir que objetos fossem jogados para dentro. Nós tínhamos muitos receios. Não estávamos muito por dentro da lei, de saber as consequências de disparar uma arma e saber o que iria acontecer, as consequências do ato e qual a atitude tomar ali na hora. Foi bem chocante. Coisa que fomos aprendendo no dia a dia. Foi dito em sala de aula, mas na prática é bem diferente”, contou o AEVP.

O servidor conta que após a posse, que ocorreu em 26/8/2002, fizeram escolinha de formação e, conforme a classificação, escolheram as vagas para onde queriam ir. “Hoje em dia já não se escolhe mais vagas, eles mandam você para onde tem vaga dentro do Estado”, disse.

Segundo Machado, no início tiveram muito receio, pois não sabiam o que iria acontecer e como seria o exercício da função de AEVP. Ele relata que, quando chegou a Bauru para trabalhar, era ainda a Polícia Militar (PM) quem fazia a guarda das unidades prisionais. Recorda que não houve muita receptividade dos agentes de segurança penitenciária (ASP) e nem dos policiais militares.

“Não tivemos muita receptividade, nem de muitos funcionários, de ASPs, e nem dos próprios PMs”, disse. Ele relata à reportagem que “houve episódio de o AEVP ser designado para ficar na torre, junto com PM, tirando hora, e o PM não deixar o AEVP subir”.

Lembra ainda que muitos ASPS chamavam os AEVPs de “genérico”, “pois diziam que a gente era o genérico da PM”. “Teve muita rusguinha, mas com o tempo foi se fazendo amizade, foram conhecendo nosso serviço e viram que não estávamos ali pra brincadeira e que o pessoal estava realmente abraçando a carreira”, contou o AEVP da primeira turma.

De acordo com Machado, aos poucos todos foram percebendo a importância do trabalho dos AEVPs. “Houve muitas situações que nós auxiliamos, ajudamos e intervemos pela segurança do pessoal lá de dentro. Então, foram vendo que nosso serviço era um serviço sério. Conseguimos impedir fugas e desempenhamos muito bem o nosso papel”, contou o AEVP, destacando que na época foi preciso vencer todo o preconceito.

O servidor destaca o papel importante do SINDCOP para a categoria, considerando que, como novos servidores, não tinham adquirido alguns direitos e benefícios que outros funcionários tinham. “Quando chegamos para trabalhar não tínhamos estrutura. Na época não tínhamos colete balístico, folga SAP, várias coisas, que o SINDCOP conseguiu pra gente. Em contato com o pessoal do SINDCOP, eles começaram a intervir pela gente e nós tivemos algumas conquistas. Tivemos muitos desafios até se chegar no que é hoje”, explicou Machado.

Em relação à formação, o AEVP conta que a primeira turma teve ótimos instrutores, “mas poderíamos ter tido mais”. Para o servidor, “o Estado deixa a desejar quanto a custear os cursos e treinamentos, às vezes, tem cursos na Capital e aqui para o interior não tem. É preciso investir mais no interior, em cursos”, cobrou Machado.

Passados 18 anos de criação da categoria, com grandes desafios vencidos e outros a vencer, os agentes de escolta e vigilância penitenciária chegam à maioridade de forma consciente e madura para cumprirem a árdua missão nas torres, nas muralhas e nas ruas, fazendo uma escolta de forma exemplar, mesmo sem o reconhecimento merecido.

“A gente não tinha estrutura nenhuma, nem o conhecimento de como agir em situações, era tudo teórico, fomos aprendendo com o tempo. Conforme as ocorrências a gente foi se aprimorando e procurando melhorar as intervenções. Hoje há uma estrutura, uma base de escolta em São Paulo, a formação está melhor preparada, uniforme, armamento, viaturas. Hoje a estrutura dos cursos, dos materiais, já são bem melhores do que os da nossa época. Antes, para se fazer um curso, até se improvisava um local, como por exemplo, um curso de tiro, o que hoje já se faz em um estande”.

Questionado pela reportagem se valeu a pena todo o esforço no exercício da função de AEVP e se faria tudo novamente, Machado prontamente garantiu: “Valeu a pena sim. Você tem que gostar daquilo que faz, se não gostar, vai trabalhar contrariado e seu serviço não vai ser bom”, destacou.

Ainda indagado pela reportagem sobre a falta de reconhecimento, o AEVP disse: “O reconhecimento para nós é o nosso próprio reconhecimento, de saber que a gente desempenha a nossa função da melhor maneira possível”.

“Quero deixar os parabéns ao pessoal da primeira turma, que foram os desbravadores, parabéns pela resistência que suportou até hoje essa jornada. E aos jovens, que estão entrando, procurem dar o melhor de si e que sejam felizes na profissão. E meu agradecimento ao SINDCOP, pela intervenção e pelos benefícios que não tínhamos e que conseguiram para a categoria”, finalizou o servidor da primeira turma de AEVP do sistema prisional de São Paulo.

DAS MURALHAS AOS TRIBUNAIS:

AEVP da primeira turma deixa profissão

e se torna advogado dos servidores no SINDCOP

De agente de escolta e vigilância penitenciária da primeira turma a advogado que defende os direitos dos servidores. Esse é o caminho percorrido por Wesly Imasato Gimenez, um dos advogados do corpo jurídico do SINDCOP. Ele falou com a reportagem e contou um pouco de sua história e da experiência de ter sido AEVP.

Em agosto de 2002, ainda aos 22 anos, Gimenez tomava posse do cargo e começava a encarar uma nova realidade profissional, cheio de incertezas e receios. “Realmente, trabalhar numa unidade prisional dá para sentir receios mesmo, pois não é uma realidade fácil, a maioria não tinha trabalhado na área de segurança pública”, disse o advogado.

Ele relata que todos foram aprendendo em conjunto e que no final o resultado foi positivo. “A criação da nova carreira, do cargo de AEVP, foi bastante exitoso. O número de fugas era bem alto no Estado antes da criação do agente de escolta e ficamos por anos com número de fugas zero no Estado de SP. A Secretaria da Administração Penitenciária encarou esse novo cargo como um cargo de sucesso”, disse o ex-AEVP.

Questionado pela reportagem sobre as dificuldades de encarar uma atividade ainda nova e sem referências, Gimenez disse que foi a própria aceitação das direções das unidades prisionais e de outros funcionários que eram de outras carreiras.

 De acordo com ele, “existia uma desconfiança bem grande com relação ao cargo de AEVP. Inicialmente não existia identidade, nossa farda era parecida com a da Polícia Militar, mas nós éramos civis e também fazíamos uso do porte de arma de fogo em trabalho. Então, todos esses conflitos iniciais foram bastante difíceis, mas com o passar do tempo fomos procurando nos integrar, fomos criando amizade com o pessoal, entendendo melhor o serviço, aprendendo com quem estava há mais tempo, principalmente com quem era ASP. Hoje existe uma união bem grande entre ASP e AEVP, mas inicialmente essa foi uma das dificuldades”, contou.

O advogado e ex-AEVP também disse que outra grande dificuldade na época foi em relação à remuneração, pois quando a SAP criou o cargo de agente de escolta, “nosso salário era praticamente metade daquilo que recebia um policial militar e bem menos do que recebia um agente penitenciário”.

Neste sentido, ele relata a importância da presença do SINDCOP e diz que se recorda que, desde o primeiro dia da criação do cargo de agente de escolta, o SINDCOP deu total apoio e lutou muito pela valorização da carreira.

“Enquanto agente de escolta, já na escolinha, eu me filiei ao SINDCOP. O presidente do SINDCOP foi até a escolinha, eu fiz a filiação e outros também fizeram a filiação. Se teve um resultado tão rápido em relação à valorização da carreira e equiparação salarial com o ASP, é por conta da luta, especialmente do SINDCOP, que abraçou o AEVP desde o primeiro momento”, afirmou Gimenez.

O advogado conta à reportagem que permaneceu por quase 12 anos como AEVP e que quando ingressou na carreira já havia iniciado o curso de Direito em Bauru. “Tive que trancar [a faculdade] por um ano por conta do curso de formação, que fiz em Ribeirão Preto. Concluindo o curso de formação em Ribeirão Preto, eu consegui vaga aqui na cidade de Bauru. Depois retomei os estudos”, disse.

O ex-AEVP conta que ingressou no sistema penitenciário em agosto de 2002 e, assim que passou no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), decidiu pedir a exoneração para iniciar a carreira de advogado. A publicação do seu pedido de exoneração ocorreu em abril de 2013.

“Foi um período de muito aprendizado para vida em si e profissionalmente também”, destaca. Ele também aponta que deixou muitos amigos no sistema penitenciário e que hoje eles o procuram como advogado no SINDCOP.

“É uma satisfação gigantesca poder atender os servidores. Eu sei da realidade deles, eu vivi aquela realidade. Quando eu comento que trabalhei por quase 12 anos na SAP, eles ficam muito tranquilos e confiantes em reportar as suas dificuldades, pois sabem que ali, como advogado, tem também um colega de trabalho que viveu a realidade deles”, explica Gimenez.

O advogado relata que gosta de entrar com as demandas, pois sabe que o Estado comete muitos erros com relação aos servidores penitenciários e que é uma satisfação poder entrar na Justiça para reverter erros de ordem de vencimentos ou combater abuso de autoridade com relação aos servidores, ou propriamente lutar no âmbito geral para melhorar o serviço para todas as categorias.

“Hoje, poder advogar, primeiro que eu amo o que eu faço, sempre quis ser advogado, e poder advogar para uma classe, para o servidor penitenciário como um todo, é uma grande satisfação”, finaliza o ex-AEVP e atual advogado do SINDCOP.

SINDCOP parabeniza AEVPs

pelos 18 anos de criação

O SINDCOP não poderia ficar de fora dos 18 anos de criação dos agentes de escolta e vigilância penitenciária. Desde o primeiro dia, da primeira turma, do primeiro curso de formação, da primeira luta e reivindicação, o sindicato já marcava presença na vida dos AEVPs.

E a presença se tornou cada vez mais marcante, abrindo os braços e acolhendo a nova categoria na instituição.

Hoje, quando a categoria completa seus 18 anos, o SINDCOP renova o mesmo compromisso inicial, de acolher e defender os direitos dos servidores.

O presidente do SINDCOP, Gilson Pimentel Barreto, parabenizou os AEVPs pela importante data. “Quero parabenizar a categoria dos agentes de escolta e vigilância penitenciária, pelos 18 anos de posse da primeira turma dessa categoria jovem que veio compor a Secretaria da Administração Penitenciária”, disse.

O sindicalista fez um relato histórico da participação do SINDCOP na luta pela valorização e reconhecimento dos AEVPs.   lembrou o presidente.

Sabendo das condições salariais da nova categoria, “a diretoria da época deliberou pela cobrança de 50% do valor da taxa associativa aos colegas, uma vez que seus salários eram muito baixos. Desde então, muitos AEVPs se filiaram ao SINDCOP e permanecem ao nosso quadro associativo”, contou Barreto.

Segundo o presidente do SINDCOP, houve muitas lutas em defesa dos servidores diante das injustiças promovidas pela Secretaria da Administração Penitenciária. “Colegas mais antigos da carreira podem fazer esse testemunho. Com toda certeza, vão ter muitos colegas que, em alguma situação, foram defendidos pelo SINDCOP”, disse.

Barreto lembrou ainda que, embora a categoria tenha chegado à maioridade, logo os quadros estarão extintos, tanto de agentes de segurança penitenciária quanto de agentes de escolta e vigilância penitenciária, uma vez que foi criada a Polícia Penal, já inserida no artigo 144 da Constituição, e que caminha para a regulamentação no Estado de São Paulo.

“Parabéns aos agentes de escolta e vigilância penitenciária pela data. Logo as duas carreiras deixarão de existir e passaremos a ser a Polícia Penal do Estado de São Paulo. Passaremos a ser um único corpo, uma só polícia”, finalizou o presidente do SINDCOP.

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