Considerados de extrema importância na rotina das unidades prisionais, os cães demandam cuidados especiais, motivam a participação em cursos e até um ramo específico de estudo: a cinotecnia
Por Lucas Mendes
Os cachorros são fundamentais para o trabalho diário de uma unidade prisional. Utilizados em atividades de vigilância preventiva, procedimentos de revista e até mesmo para conter tentativas de fuga ou movimentos de rebeldia, os cães são aliados de primeira ordem dos agentes penitenciários (ASPs).
Sua utilização começou ainda no final dos anos 90 por servidores de algumas unidades prisionais que tinham um pouco de conhecimento na área. Nesse início foi importante o apoio da Polícia Militar, que transmitiu algumas técnicas específicas para a utilização dos cães em presídios.
Hoje, a Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) mantém cursos nessa área para os agentes, que se especializaram tanto a ponto de levar as técnicas da cinotecnia a outros estados.
Com quase 30 anos de experiência no sistema prisional paulista, Brás Calixto de Oliveira é agente penitenciário e comanda o canil da Penitenciária 1 de Presidente Bernardes. Nessas quase 3 décadas de serviço público passou pela antiga Casa de Detenção de Presidente Prudente, foi diretor de disciplina do RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) em Presidente Bernardes e atuou como integrante do GIR (Grupo de Intervenção Rápida).

A seguir, confira um breve histórico sobre a criação e como operam os cães e seus condutores nos presídios de São Paulo com o depoimento do ASP Brás Calixto.
1 – Como surgiu a criação de cães dentro dos presídios?
No princípio foi muito na garra, pois não haviam cursos da área na SAP. Aprendemos um pouco com o pessoal da Polícia Militar, que tinha a instrução de canis. Apenas nos últimos 10 anos que a SAP focou realmente na necessidade do canil e aí passou a oferecer os cursos. A Escola da Administração Penitenciária (EAP) tem um curso de Cinotecnia que é dividido em módulos: Um teórico, feito pela internet e um prático, feito nas coordenadorias. Cada coordenadoria tem um cinotécnico e são feitas aulas práticas de manejo, intervenção, condução, veterinária – tudo pela SAP. São cursos regionalizados, e muito bons. Quem dá o curso é o próprio pessoal da SAP, os agentes. Nós nos especializamos tanto que a própria EAP formou cinotécnicos. Tirando a veterinária, que vem de fora pra dar uma noção básica de manejo como cão, o agente penitenciário é quem dá toda a instrução.
2 – Como foi o seu envolvimento com a Cinotecnia?
Na cinotecnia eu comecei em 1997 ajudando o pessoal da penitenciária de Montalvão, em Presidente Prudente, fazendo figuração para os companheiros. De lá pra cá eu ajudei a ativar o canil do RDD de Presidente Bernardes e depois passei 6 meses no GIR na penitenciária ao lado. Quando retornei em definitivo para a unidade de Bernardes, o diretor pediu para eu montar o canil. Já são 12 anos na unidade e praticamente 10 anos de canil.

3 – Como é o trabalho do ASP com os cães?
Dentre as atribuições dos ASPs escalados no setor de canil estão: manter os cães alimentados e saudáveis e a higiene das baias e imediações do setor de canil. Estar atento ao comportamento dos cães, verificando o aparecimento de doenças. Realizar treinamento diário como os cães visando o aperfeiçoamento, tanto do animal quanto de seus condutores. Estar pronto e à disposição da diretoria de segurança e disciplina por fazer parte efetiva do C.I.R (célula de intervenção rápida) estando preparados para agir a qualquer momento que forem chamados.
4 – Existe algum reconhecimento pelo trabalho desenvolvido com os cães?
Nos dias de hoje o nosso aperfeiçoamento na área foi tanto que outras carreiras fazem intercâmbio conosco para troca de conhecimento. Há também a participação em encontros de policiais militares, polícia civil, guarda civil metropolitana, exército e fuzileiros.

O nosso conhecimento na área é tamanho que os canis das unidades de Ribeirão Preto e Mirandópolis são acionados pela polícia civil para dar apoio em busca por entorpecentes em suas regiões. Temos excelência com essas equipes de cães utilizados tanto na apreensão de entorpecentes, celulares e armas de fogo. O mundo cinotécnico é tão grande que alguns ASPs já foram para outros estados passar nosso conhecimento em cães de intervenção, faro e guarda patrimonial.
Durante esses anos nos especializamos e aprendemos todos os dias. Buscamos conhecimento através dos cursos de cinotecnia da SAP, que abrange desde técnicas com grupo tático, manejo e tratamento dos cães, conhecimentos de veterinária básico e administrativo do setor de canil, bem como de cursos particulares. Alguns ASPs cinotécnicos não medem esforços e custos para buscar conhecimento.
5 – Qual a importância do cachorro na unidade prisional?
O canil hoje é uma arma de baixa letalidade para ser usado dentro das unidades prisionais. Um cão na porta de uma cela hostil consegue tirar o ímpeto do encarcerado ao enfrentamento. Muitas vezes o confronto é evitado por conta do efeito psicológico do cão na frente da cela. Existem também ASPs que desenvolvem um trabalho social com cães mais dóceis, que fazem visitas para apresentações em asilos e escolas, além de participarem com louvor em eventos esportivos e de competição. O cão de intervenção a gente tem que criar desde pequeninho. E eu bato nessa tecla: você em que ter a sua linhagem. Tem que ter o cão e saber quem é pai, mãe, avós. Até porque, do treinamento de canil, 90% do resultado é devido à genética. O seu trabalho contribui com 10%. E olha que esses 10% são cansativos.




