Convocado pelo deputado estadual Carlos Giannazi, evento reuniu especialistas e demais envolvidos na temática
O plenário Teotônio Vilela da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) esteve cheio durante quase toda a duração da audiência pública contra a privatização do sistema penitenciário. Com início pouco depois das 19h da última segunda-feira (15), a audiência foi convocada pelo deputado estadual Carlos Giannazi (Psol).
Convidado a compor a mesa, o SINDCOP foi representado pelos diretores Carlos Eduardo Piotto e Carlos Roberto Romacho.
A audiência pública reuniu diversos envolvidos no sistema prisional paulista. Além do SINDCOP e do Sifuspesp, representantes de servidores, marcaram presença órgãos como Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Instituto Brasileiro de Ciência Criminais (IBCCrim) e Defensoria Pública, juntamente com especialistas de universidades.

A deputada estadual Érica Malunguinho (Psol) também participou da audiência, afirmando ser contrária à privatização. O deputado federal Luis Flávio Gomes (PSB) enviou um vídeo com sua declaração, que foi exibido durante a audiência. Ele é contra a privatização e já declarou total apoio ao projeto da Polícia Penal (PEC 372/2017).
O sistema não é bagunça
Iniciando as falas na audiência, o deputado Giannazi trouxe um panorama sobre o governo João Doria em São Paulo e seus projetos de privatização. Além do plano de passar o sistema prisional para a iniciativa privada, Doria pretende privatizar mais 6 empresas públicas.
“O governador demonstra que não conhece o sistema penitenciário”, declarou Piotto, que compôs a mesa no evento. “Ele [Doria] como administrador privado esquece que a administração pública tem princípios e um deles é a legalidade. Nós exercemos poder de polícia, e esse é um poder que não pode ser delegado pelo Estado”, frisou.
O representante do SINDCOP também ressaltou que, apesar de São Paulo ser um estado modelo no âmbito do sistema penal, o agente penitenciário paulista tem a vigésima quarta pior remuneração do Brasil.
“Tem muito que melhorar”, reconheceu Piotto, “mas o sistema penitenciário não é essa bagunça que o Doria quer empurrar para a privatização, que pode ter mais coisa envolvida”, pontou.
Na ocasião o SINDCOP apresentou os vídeos da campanha publicitária “Impossível sem Agente”. O sindicato também entregou aos participantes uma revista especial sobre privatização. O material estará disponível online no site da entidade.
Vários pontos de vista
Cada participante da audiência pôde oferecer um ponto de vista sobre o sistema prisional. Mesmo assim, o consenso foi de total defesa do serviço público e posição contrária à privatização.
Thandara Santos, do FBSP, lembrou que as Parcerias Público-Privadas (PPP) não são novidade e existem pelo mundo no sistema prisional desde os anos 80. Nos dias de hoje, a tendência é a reestatização, como vem ocorrendo nos Estados Unidos e outros países. “Especialmente na Alemanha e Israel, essa atividade foi sendo retomada pelo Estado”, afirmou.

Santos trouxe dados sobre o custo do preso nas unidades privatizadas. Após analisar o valor médio para se manter uma pessoa presa, a conclusão da pesquisadora foi de que o sistema privado apresenta “um custo bastante elevado”, o que contrapõe o discurso da economia utilizado para justificar a privatização.
Desonestidade
Representando o IBCCrim, Lorraine Carvalho argumentou que considera “desonesto” pensar a privatização de presídios como uma solução, pois se trata de um processo que traz a lógica da monetização.
“A ausência de transparência é algo que precisamos debater”, acrescentou Carvalho, ao levantar as possibilidades de lobby de empresas diante do poder público.

A advogada Viviane Balbuglio, representando a Rede de Justiça Criminal, entende que as PPPs estão diretamente envolvidas na morte de presos em massacres ocorridos em presídios privados e na precarização do trabalho dos servidores.
Privatizar presídios é o Estado agir contra a Constituição, atendendo interesses de empresas privadas em detrimento do interesse público, afirmou.
Racismo estrutural
Milton Barbosa, da Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar) e a deputada Érica Malunguinho trouxeram a reflexão do racismo institucionalizado dentro do Estado brasileiro.
Para Barbosa, as prisões fazem parte de um mecanismo de dominação. Ele também pontuou que há um projeto de genocídio da população negra no Brasil, que também se traduz no perfil da população carcerária, predominante negra (cerca de 64%, de acordo com o levantamento mais recente do Departamento Penitenciário Nacional).
Violações requerem indenizações
O professor Roberto da Silva, da Universidade de São Paulo, refletiu sobre a natureza ética envolvida nesse debate: a privatização de presídios significa a mercantilização de seres humanos.

De acordo com o professor, a lógica das prisões privadas é a de que quanto mais presos, maior o faturamento.
“No Brasil o Estado comete barbaridades mas não é responsabilizado por essas violações”, afirmou. Seria preciso passar a adotar medidas judiciais que visem indenizar presos, familiares e servidores pelas violações de direitos ocorridas nas prisões.
Segundo Silva, a possibilidade de exigir indenizações seria uma estratégia para diminuir o interesse de empresas privadas em administrar presídios.
A audiência pública ainda contou com as participações de Leonardo Biagioni, do Núcleo Especializado de Situação Carcerária, da Defensoria Pública do Estado, Luiz Marcos Ferreira Júnior, da Unesp e Josiane da Silva Brito, da UFABC.
Ao final do evento, ficou decidida a criação de um grupo de trabalho com representantes das entidades que participaram da audiência. O próximo passo é fazer um manifesto com a posição contrária à privatização para já ser mobilizado durante audiência pública convocada pela SAP no dia 6 de maio, com a finalidade de discutir o projeto de privatização.
