Para ex-diretora-geral do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber, a privatização é o pior dos mundos
A margem de lucro das empresas que operam nos presídios brasileiros é de, pelo menos 8%, segundo dados extraídos do relatório da CPI do Sistema Carcerário, encerrada em 2015. Foto: Reprodução.
Fonte: Nina Fideles / Brasil de Fato
A proposta de privatização dos presídios, por meio das Parcerias – Público-Privada (PPPs), ou mesmo a chamada gestão compartilhada – em que o Estado terceiriza serviços básicos como alimentação, limpeza, manutenção técnica, entre outros -, prenuncia a criação de mais presídios, portanto mais vagas, e um custo por preso menor do que a média nacional nos presídios dos estados, além de um tratamento mais humanizado. Mas na prática, o que tem se mostrado não é exatamente isso.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde essas experiências tiveram início nos anos 1980, já houve condições de diagnosticar as vantagens e desvantagens destes modelos. Em agosto de 2016, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos anunciou que deixará de usar prisões privadas para presos sob custódia federal. Ainda que essa medida atinja uma pequena parcela da população presa, já que a maioria deles está sob custódia estadual, ela foi vista como uma ação simbólica e que representa uma mudança de olhar na gestão carcerária. Em um memorando, a subsecretária de Justiça, Sally Yates, afirmou: “Não oferecem [os presídios privados] o mesmo nível de serviços correcionais, programas e recursos, não apresentam redução significativa de custos e não mantêm o mesmo nível de segurança e proteção.”
No Brasil, existem 24 unidades funcionando com PPPs, com quase 14 mil presos, segundo informações da Associação Brasileira de Empresas Especializadas na Prestação de Serviços a Presídios.
A empresa Umanizzare, responsável pela gestão de parte do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, palco da rebelião que resultou em 56 mortos em 2017, administra outros seis presídios: quatro no Amazonas e dois em Tocantins. Os contratos de concessão administrativa são de 27 anos com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), podendo ser prorrogado até 35 anos.
O Ministério Público solicitou ao governo amazonense o encerramento dos contratos, pois há suspeita de irregularidades como superfaturamento, mau uso do dinheiro público, conflito de interesses empresariais e ineficácia da gestão. Segundo o MP, a Umanizzare recebe R$ 4,7 mil por mês para cada preso do Compaj, sendo que a média nacional é de 2,4 mil, de acordo com as informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Já em Tocantins, o Tribunal de Contas do estado aceitou o pedido do Ministério Público para realizar uma auditoria operacional no sistema carcerário.
Segundo Julita Lemgruber, socióloga e diretora-geral do sistema penitenciário do Rio de Janeiro entre 1991 e 1994, a privatização é o pior dos mundos porque traz a ilusão de que é rápido e fácil construir novas unidades prisionais e colocá-las em funcionamento. “O problema é que isso tem um custo para a sociedade. Estes contratos de Parceria-Público-Privada (PPP) são de 29, 30 anos, ou seja, o Estado se compromete em manter aquelas prisões com ocupação total por décadas”, afirma.
Pioneiro
O primeiro presídio brasileiro a operar na gestão regida pelas PPPs, e sendo privatizado desde sua construção, não opera como os presídios em Manaus, que são de gestões compartilhadas. Localizado em Ribeirão das Neves, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), o complexo prisional completou seis anos em janeiro, com 2.016 presos em três unidades: duas para regime fechado e uma para regime semiaberto. A empresa Gestores Prisionais Associados (GPA) recebe do governo de Minas Gerais o valor de R$ 3,5 mil por detento. Lá, não há problemas de rebeliões, pois ele não opera em situação de superlotação – dados do Infopen indicam que a taxa de ocupação dos estabelecimentos em cogestão ou privados é, em média, de 131%, quando a média nacional é de 161%.
Julita conta ainda que existe uma seleção rigorosa dos presos que irão cumprir pena nas instalações mineiras. “Eles só aceitam um tipo de perfil, que é o preso que não vai apresentar nenhum tipo de problema. Eles têm muito cuidado em filtrar quem vai para uma prisão privada. E assim, ela opera normalmente. Se tivéssemos prisões públicas com este tipo de filtro, seríamos exemplares também. E ainda recebendo valores muito mais altos do que o custo de um preso em uma prisão pública”, defende a socióloga.
Além disso, o questionamento que se levanta é que, toda a lógica de privatização impulsiona um maior encarceramento e o sucateamento das unidades públicas, encarando todo o modelo de reeducação prisional como um negócio. “O Brasil costuma ver seus problemas em curto prazo. Nós temos que olhar a longo prazo, e a privatização é um péssimo negócio econômico. Além do que, a gente sabe que nos EUA, por exemplo, essa relação de ilegalidade e de corrupção entre as empresas e os políticos é marca da privatização. Há inúmeras pesquisas que mostram que essas organizações acabam lutando por um endurecimento das leis porque elas querem manter suas prisões com 100% de ocupação. E algumas dessas prisões privadas, justamente com o objetivo de obter maior lucro, cortam custos, pagam piores salários e cortam serviços”, ressalta.
A margem de lucro das empresas que operam nos presídios brasileiros é de, pelo menos 8%, segundo dados extraídos do relatório da CPI do Sistema Carcerário, encerrada em 2015.
Falência da justiça criminal
Para a socióloga Julita Lemgruber, nas últimas décadas não houve nenhum investimento adequado na estrutura prisional, mas é preciso relacionar a crise também ao mau funcionamento do sistema de justiça criminal no Brasil. “Nós temos uma quantidade vergonhosa de presos provisórios (40% do total), por exemplo. E a gente já provou, por pesquisas, que a maior parte deles, quando julgados, acaba recebendo uma pena diferente da pena de prisão. Ou seja, eles ficam presos provisoriamente de forma absurdamente irregular e ilegal. Um dos problemas no Brasil é a falta de respeito às nossas leis”, afirma, citando ainda o trabalho de pesquisa realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), intitulado Ministério Público: guardião da democracia brasileira?, em que se demonstrou que o órgão não cumpre as funções que lhe foram destinadas pela Constituição de 88. “O que se percebe é que essas pessoas que integram o MP e o Judiciário são membros da elite, e uma elite que é reacionária, conservadora e punitiva”.