Raio-X da crise no sistema carcerário

Amazonas e Roraima figuram entre os 3 maiores massacres no r

Amazonas e Roraima figuram entre os 3 maiores massacres no ranking dos presídios brasileiros. Só perdem para a chacina do Carandiru, em 1992, em São Paulo, com 111 mortos

No país existem mais de 300 presos para cada cem mil habitantes. Bem acima da média mundial que é de 144 para cada cem mil habitantes. Foto: Carlos Silva/Esp.CB/D.A Press

Fonte: Agência Câmara de Notícias

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2017 começou com rebelião e massacre dentro do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, no Amazonas. Dias depois, o roteiro se repetiu nos estados de Roraima e do Rio Grande do Norte. Conflitos e tragédias que revelam o colapso de um sistema prisional que prende muito, prende mal e pouco recupera quem está dentro dele.

Os brasileiros ainda comemoravam a chegada de 2017, no primeiro dia do ano, quando vieram as notícias de rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, capital do Amazonas. Uma disputa de poder entre duas facções criminosas terminou com o massacre de 56 presos. As investigações revelaram que a ordem para a rebelião partiu do líder de uma das facções, preso a 2 mil quilômetros de distância, no Mato Grosso do Sul.

Manaus ainda nem tinha concluído a identificação dos corpos dos presos quando uma nova briga entre facções estourou. Desta vez, em Roraima, na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo. 31 mortos. Assim como no Amazonas, as cenas de crueldade se repetiram e também foram registradas pelos próprios presos com telefones celulares.

Dia 14 de janeiro. Começa o terceiro conflito entre facções dentro de presídio. Agora, em Alcaçuz, no Rio Grande do Norte. A barbárie se repetiu e 26 presos foram mortos.

A marca desses três conflitos dentro de unidades prisionais foi a disputa explícita por poder e espaço entre facções criminosas. Algo que surpreendeu muitos brasileiros, mas não quem conhece essa realidade de perto.

Avaliações

O deputado Alberto Fraga (DEM-DF) participou da última CPI do Sistema Carcerário, e lembra que em apenas 10 anos foram duas dessas comissões investigando e diagnosticando problemas.

“Nós fomos nos locais. Avisamos que isso iria acontecer. E nada foi feito” diz ele. “Quando nós fizemos várias visitas, eles diziam: ‘olha, você só pode chegar até aqui. Daqui para a frente quem mandam são os preso”, afirmou.

Manoel Luiz Tranquilino, da Pastoral Carcerária, também não ficou surpreso: “Pelo tratamento que é dado ao sistema penitenciário, não poderia ter deixado de acontecer isso. Talvez tenha até demorado”.

As facções criminosas disputam poder entre elas, mas também intimidam outros poderes. O alerta veio de um diretor de presídio aos deputados da CPI que visitavam uma unidade prisional.

Em plena crise no presídio de Alcaçuz, o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria, admitiu:

“Eles enviam essas ameaças através de seus líderes, através dos agentes penitenciários”, explica. “Enviam essas ameaças para chegar ao governador, chegar ao secretário de segurança. São ameaças que eles sempre fazem. Para intimidar, para o Estado recuar”.

Quem trabalha em contato direto com os presos também enfrenta muitas dificuldades. Em todo o país são 60 mil agentes penitenciários. Para a Federação que representa a categoria, o número ideal deveria ser quatro vezes maior: 240 mil.

Servidores penitenciários

No auge da crise, com rebeliões em vários estados, um grupo desses profissionais foi até Brasília. Eles querem ser ouvidos pelas autoridades. E têm muito a dizer.

O presidente da Federação Brasileira dos Servidores Penitenciários, Leandro Allan Vieira, lembra que havia feito um alerta dois anos antes. “Em audiência pública em 2015, eu denunciei, eu falei: se os estados, se o governo federal não tomassem medida efetiva para estancar o que estava acontecendo no sistema penitenciário, ia começar a virar o sistema penitenciário brasileiro. E é o que está acontecendo hoje”, explica.

O deputado Padre João, do PT de Minas Gerais, destaca o perfil da população carcerária, que segundo ele é jovem em sua maioria. “São meninos de 18, 19, 23 anos, que têm uma ligação direta com o mundo, aqui fora”, conta. “São essas facções que dão proteção para eles, lá dentro. E que dão proteção também para suas famílias, aqui fora. E eles saem de lá com uma tarefa para cumprir aqui fora”.

CPI carcerária

São muitos os problemas que, juntos, levaram o sistema carcerário brasileiro ao estágio atual. Presos demais, vagas de menos, poucos agentes penitenciários, processos lentos que se arrastam por anos são alguns destes problemas, apontados por todas as esferas de poder.

A CPI do Sistema Carcerário, concluída em 2015, na Câmara, apresentou 20 projetos de lei para melhorar o sistema carcerário. Para os integrantes da comissão, se as soluções tivessem sido adotadas anteriormente, muito poderia ter sido evitado.

No Brasil há 600 mil presos para menos de 400 mil vagas disponíveis nos presídios. Além disso, o sistema carcerário nacional é um gigante cheio de problemas. Os dados do Ministério da Justiça mostram que o Brasil é o quarto país do mundo em quantidade absoluta de presos, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia.

No país existem mais de 300 presos para cada cem mil habitantes. Bem acima da média mundial que é de 144 para cada cem mil habitantes.

O tamanho do problema

O secretário de Segurança Pública do Mato Grosso, Rogers Elizandro Jarbas, diz que as causas do problema não estão sendo atacadas. Para ele, ainda se trata dos efeitos, e não da causa principal da “guerra entre as facções”.

“Nós precisamos mudar esse cenário. Começar a atacar as causas verdadeiras de tudo isso que vem acontecendo: o tráfico de drogas, o tráfico de armas. Nós temos que desestabilizar as facções, retirando os recursos financeiros”.

O secretário de Segurança Pública do Acre, Emylson Farias da Silva, concorda. “O ativo criminal que mais impacta no Estado brasileiro são armas e munições circulando de maneira livre”, afirma.

Lourival Gomes, secretário de Administração Penitenciária de São Paulo, explica que as facções criminosas funcionam dentro e fora dos presídios. “Elas recebem drogas distribuídas pelo país. E esse é o ganho delas. É o grande ganho que a facção tem. E com base no recurso que ela obtém com drogas, na venda de drogas, ela passa a aparelhar os seus exércitos particulares, com armas potentes, armas que a própria polícia não detém”.

Alexandre de Moraes, que comandava o Ministério da Justiça em plena crise do sistema carcerário, identifica ainda outro problema, mais estrutural: “O Brasil prende muito, mas prende mal. Ou seja: o Brasil prende quantitativamente, não qualitativamente”, disse. “Enquanto nós temos 42% de presos provisórios, e muitos desses, obviamente, devem continuar presos, mas muitos desses estão presos provisoriamente por crime sem violência ou grave ameaça”, resume.

Projetos

Em 2015, ao encerrar os trabalhos da CPI do Sistema Carcerário, deputados apresentaram 20 projetos de lei que, juntos, poderiam ajudar a resolver diversos problemas nesta área. Eles tratam de temas como:

– bloqueio obrigatório de sinais de celular dentro das penitenciárias por parte das operadoras de telefonia móvel;

– regras para a tomada de depoimento de presos por videoconferência;

– uso de câmeras para monitoramento de presos dentro das celas;

– obrigatoriedade de uso de escâner corporal para todas as pessoas que forem entrar nos presídios;

– dedução de encargos sociais para empresas que contratarem presos ou ex-presidiários;

– transferência obrigatória para estados, Distrito Federal e municípios de recursos do Fundo Penitenciário Nacional

Enquanto nos estados se tentava retomar o controle das prisões, em Brasília foram várias as reuniões para discutir o que fazer e como resolver a questão com o apoio do governo federal e do Judiciário.

Como resposta à crise, o governo apresentou o Plano Nacional de Segurança Pública, com várias medidas. Entre elas:

– disponibilizar informações completas e detalhadas em tempo real de todo o sistema penitenciário até dezembro de 2017

– redução em 15% da superlotação dos presídios até 2018

– aumento de 15% na quantidade de armas e drogas apreendidas até 2018

Apontando soluções

A brigas de facções e os motins em três presídios brasileiros, neste começo de ano, causaram a morte de 115 presos. Foram 56 detentos em Manaus, 31 em Roraima e 28 no Rio Grande do Norte.

Quais são os caminhos para solucionar problemas como superlotação, morosidade da Justiça e domínio das facções dentro dos presídios? Essas são algumas das causas que estão na raiz dos motins e rebeliões que marcaram o mês de janeiro em vários estados no país.

Os primeiros vinte dias de janeiro foram marcados por rebeliões e motins em penitenciárias e presídios de vários estados brasileiros. Esses movimentos evidenciaram muitos problemas no sistema carcerário em todo o país.

Pedro Taques (PSDB-MT), governador do Mato Grosso, defende que seja reforçado o trabalho de inteligência. Ele afirma que a solução dessa crise no sistema carcerário também passa obrigatoriamente pelo judiciário.

“Nós precisamos da participação do Poder Judiciário e da Defensoria Pública para medidas que evitem que pessoas que não precisam estar presas ali estejam”, defende.

“Pensar na alteração da lei de drogas, porque hoje nós temos ‘pequenos’ traficantes de drogas que estão presos juntos com aqueles grandes traficantes. Isso faz parte para se evitar o aumento no sistema penitenciário”, conclui.

O presidente do Tribunal de Justiça do Amazonas, Flávio Pascarelli, defende a revisão de prisões preventivas e provisórias. Segundo ele afirma: “Nós antecipamos o mutirão no estado do Amazonas. Isso não significa que vamos soltar presos. Vamos avaliar se as condições da prisão preventiva ou da prisão provisória permanecem. Em não permanecendo, aí sim, haverá soltura”.

Discussão pública

Governadores e secretários de segurança têm claro que não basta apenas conter as rebeliões. É preciso avançar, como destaca o secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes.

“Nós precisamos mudar a legislação. Várias legislações nós temos que mudar. Eu lhe dou só um exemplo: o regime semiaberto do meu estado é a principal ferramenta que possibilitou esse massacre. Na minha humildade opinião, respeitando, é claro, toda a legislação em vigor e a posição dos magistrados, liberar todo mundo do semiaberto e mandar para casa seria a melhor solução, para mim”, defende Fontes.

O secretário de Segurança Pública de Rondônia, Coronel Lioberto Ubirajara Caetano de Souza, diz que o problema não acaba com o fim das rebeliões, pois deve-se “discutir mais”. “Vamos discutir recursos, mudanças em legislações para que o preso federal fique no presídio federal. Ele não vá lá, por um ano e depois volta para o presídio estadual”, diz.

Já Emylson Farias da Silva, juntamente com outros secretários estaduais, defende que a área da segurança precisa ser legalmente considerada prioritária. “Passou da hora de a gente enxergar a segurança pública sendo financiada pela União, a exemplo do que ocorre com educação e com saúde pública”.

José Carlos Barbosa, secretário de Segurança Pública do Mato grosso do Sul, culpa o contingenciamento de recursos e afirma que os recursos liberados recentemente ficaram paralisados por anos, e afirma que “muito da grave crise que nós vivemos no sistema carcerário brasileiro se deve exatamente ao contingenciamento desses recursos”.

Uma medida estrutural debatida entre os secretários de segurança pública trata de uma fonte mais segura de recursos para os estados, como defende o secretário de Segurança Pública do Maranhão, Jefferson Miler Portela e Silva.

Para Miler, essa nova fonte deve ser definitiva e de cunho institucional. “a exemplo da saúde e da educação”, afirma. “Essa é a natureza que nós, secretários de segurança, aprovamos como ponto número um para o sucesso do plano nacional”.

A Lei de Licitações é considerada um entrave que atrapalha quando se necessita de rapidez nas ações, conforme argumenta Lourival Gomes. “Eu não conheço o método de construção de presídio que se pretende implantar. Se formos seguir uma lei que nós temos, que é a lei das licitações, a lei 8.666, eu acho um pouco difícil”, salienta.

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